Empresa brasileira é finalista no Accelerate 2030

30 de October de 2018

Foto: MGov.

O Accelerate 2030 é um programa anual da rede Impact Hub (escritório de Genebra) que tem apoio do PNUD. A principal missão é dar escala internacional a empreendedores que tenham foco no impacto social positivo e na contribuição para o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Na edição deste ano, a empresa brasileira MGov é uma das finalistas.  O Brasil tem alcançado as etapas finais do Accelerate 2030 desde o início da iniciativa.

A MGov foi fundada há seis anos para atender a necessidade de avaliar uma política pública específica  para a distribuição de leite a famílias de baixa renda no Rio Grande do Norte. Por meio de tecnologias acessíveis, identificou gargalos no programa e aprimorou a aplicação dos recursos públicos e a comunicação direta com cidadãs e cidadãos.

Hoje a MGov desenvolve ações que impactam diretamente a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em entrevista ao PNUD, Guilherme Lichand, presidente do Conselho Consultivo da empresa e um dos fundadores da MGov, explica que negócios de impacto social podem, sim, gerar lucro, mas “para o impacto ser sustentável, ele precisa ter uma lógica no mercado”. Ele esteve em Genebra na semana passada para apresentar o “case” da MGov em evento que faz parte da programação do Accelerate 2030. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Como foi a concepção do projeto da MGov?

A MGov foi fundada há seis anos, motivada por uma demanda da Secretaria de Planejamento e Finanças do Governo do Rio Grande do Norte. O Estado queria avaliar seu programa de distribuição de leite, que atendia 150 mil famílias todos os dias, a um custo de R$ 80 milhões por ano. A hipótese era que o programa não funcionava como deveria, mas o Estado não tinha recursos para contratar um instituto de pesquisa para coletar dados utilizando a tradicional metodologia face a face, que até hoje é caríssima, e tanto mais cara quanto mais remota na região.

Propus ao Governo fazer a pesquisa por meio do telefone celular. Mesmo num Estado pobre como o Rio Grande do Norte, e já em 2012, mais de 90% dos domicílios tinham pelo menos um telefone celular. Mesmo sem ser smartphone, muito menos conectado sistematicamente à internet, todo telefone vem equipado com a capacidade de enviar e receber mensagens de texto e chamadas de voz, duas ferramentas simples que permitiram ao governo estadual identificar problemas da distribuição de leite pela primeira vez em mais de 20 anos de história do programa.

Criamos a MGov para permitir que o Governo se comunicasse melhor com o cidadão, uma engranagem fundamental para o bom funcionamento da nossa democracia. Desde então, a MGov evoluiu sua oferta de serviços. Em vez de focar somente nos processos de escuta, os sócios perceberam que o canal de comunicação de mão dupla oferecido pelo telefone celular era uma arma poderosa para mudança de comportamento voltada a impacto social. A MGov percebeu que a combinação de ciência comportamental e tecnologia certa poderiam ajudar a resolver esses problemas.

Criamos o conceito de nudgebots: robozinhos como os chatbots, mas para mudar comportamento e formar novos hábitos (em vez de automatizar atendimento ao consumidor). São duas mensagens por semana, alternando fatos motivadores, sugestões de atividade, mensagnes de reforço e interatividade. Capturando as reações dos usuários, com ajuda de Inteligência Artificial, nossos nudgebots são capazes de customizar a comunicação para apoiar mudança de comportamento de quem mais importa. Atuamos com organizações do setor privado e público para melhorar indicadores estratégicos de prevenção de inadimplência ou aumentar o aprendizado de alunos da rede pública.

Em 2014, a MIT Technology Review considerou a MGov como a principal inovação social brasileira liderado por empreendedores de até 35 anos. Hoje, a MGov oferece soluções de impacto para todo o Brasil e para países como Estados Unidos, Alemanha, Costa do Marfim e República Dominicana e está entre as 10 startups de impacto social mais importantes pela Época Negócio.

Como a narrativa de vocês dialoga com o impacto social do projeto?

A MGov é um negócio social. Isso significa que o impacto está no core (centro*) da nossa atividade, e a única maneira de ampliarmos nossa receita é ampliando o número de impactados pelos nossos nudgebots.

O objetivo da MGov é melhorar indicadores estratégicos de prevenção de inadimplência e aumentar o aprendizado de alunos da rede pública. Mais de 800.000 pessoas já foram impactadas pela nossa atuação. Nossas atividades se conectam com 3 ODS: Educação de Qualidade (ODS 4),  Redução da Desigualdade Social (ODS 10) e Consumo e Produção Responsáveis (ODS 12).

Nosso sonho é contribuir para uma sociedade em que as oportunidades básicas são igualmente distribuídas.

De acordo com o site MGOV, mais de três milhões de pessoas já foram impactadas pelo projeto em mais de 1000 municípios do Brasil. Como superar o desafio de encontrar soluções para públicos em regiões tão distintas?

Apesar de uma diversidade enorme de contextos, em última instância, cada família pobre é diferente, certos problemas da ‘última milha’ costumam ser incrivelmente pervasivos, de Abouaflé, na Costa do Marfim, a Petrolina, no sertão de Pernambuco. Nossos nudgebots usam a tecnologia certa para chegar mesmo aos contextos mais pobres, onde o celular mal pega e os usuários não sabem ler e ainda falam dialetos diferentes. O truque é sempre contar com fortes parceiros locais, seja para a validação dos conteúdos, garantindo que são adequados ao contexto local, seja para a validação dos canais, aplicativo, mensagens de texto ou chamadas de voz, nos idiomas certos para engajar o público-alvo, ou para obter o consentimento e cadastrar os usuários, contando sempre com a capilaridade do cliente, que entende muito bem como chegar lá  na ponta, àqueles que mais precisam.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fornecem um guia de ações para o alinhamento de iniciativas economicamente viáveis, socialmente positivas e que dialogam com a proteção ambiental do planeta.  Como é possível construir negócios que gerem lucro e ao mesmo tempo colaborem com o desenvolvimento sustentável do planeta?

É possível ser dar bem fazendo o bem. E para atingir os ODS essa falsa dicotomia precisa ser superada. A ideia de que não é possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo é uma péssima aplicação de teoria econômica. Se houvesse livre entrada, isto é, se qualquer indivíduo ou empresa pudesse atuar em qualquer ocupação ou setor, então de fato não poderia ser o caso que uma atividade oferecesse tanto lucros (ou salários) espetaculares quanto impacto social; afinal, se assim fosse, todo mundo se realocaria para essa atividade, pressionando lucros e salários para baixo, até que ficasse indiferente entre essa e qualquer outra atividade. O furo no argumento é que os mercados estão cheios de barreiras à entrada. Quando existem barreiras técnicas, tecnológicas, de capital humano ou financeiras para exercer uma dada atividade, é possível que essa atividade tenha tanto lucro quanto impactos acima de todas as outras. Todo mundo quer estar ali, mas isso não quer dizer que qualquer outro consiga.

Mais do que possível, acreditamos que esse modelo é necessário: na nossa visão, for-profit-for-purpose é o único modelo escalável e sustentável. Primeiro, porque o lucro disciplina a operação. Segundo, em função da sustentabilidade do modelo de impacto. Se você viver de doação, uma hora a doação vai embora, e as perspectivas acabam. Para o impacto ser sustentável, ele precisa ter uma lógica de mercado.

Quais os principais desafios dos próximos anos, tendo em conta a Agenda 2030 e os ODS?

O principal desafio para a MGov é escalar nosso impacto, seja dentro do Brasil, seja na África ou nos demais países da América Latina. Temos uma solução com impacto validado: 350% de retorno por real investido no nosso nudgebot de educação financeira e mais de 1000% de retorno por real investido no nosso nudgebot de engajamento de pais. Construímos um excelente produto, agora é hora de construir o mercado para ele.

Para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030 precisamos de uma visão ambiciosa para que essa escala cresça tão rápido quanto a organização consiga absorver. Para tanto, é fundamental combinar nossa capacidade técnica e compromisso com impacto com o valor adicionado por parceiros estratégicos capazes de aportar recursos para acelerar essa trajetória de crescimento ao mesmo tempo que abrem portas nesses novos mercados.