Prestação de contas na era de 'desinformação': indo além da transparência na América Latina e no Caribe

19 de July de 2019

A transparência é um elemento para tornar os governos mais efetivos. Tornar as informações disponíveis cria as bases para uma melhor prestação de contas aos cidadãos. Em décadas recentes, a transparência aumentou na América Latina e no Caribe. De acordo com dados do "Global Right to Information Rating", 23 países da região têm leis que garantem aos cidadãos o direito ao acesso à informação. A Colômbia foi o primeiro país da região que aprovou a lei em 1985, e São Vicente e Granadinas é o país mais recente a aprovar, em 2018, lei nesse sentido.

Enquanto a transparência é condição necessária para promover a prestação de contas, não é a única condição suficiente. Podemos pensar em transparência como um primeiro passo. Enquanto a transparência torna as informações disponíveis, também precisamos dar-lhes publicidade e, para tornar essas informações acessíveis, também necessitamos de mecanismos de prestação de contas. A informação por si só não é válida sem prestação de contas e a devida publicidade. Se a informação não alcançar os públicos interessados, seu efeitos não são somente negligenciados, mas também podem causar potenciais danos. Por exemplo, vimos, infelizmente, muitos casos em nossa região em que as pessoas podem acessar informações detalhadas sobre casos de corrupção, mas nada acontece com os responsáveis. Isso leva à frustração e destrói a confiança.  

Podemos pensar nessa progressão da transparência para a prestação de contas como "informações de cadeia de valor". Recentemente, uma forma de que a informação da cadeia de valor foi quebrada na América Latina e no Caribe é a criação intencional e a disseminação de informações falsas (o que é conhecido por "desinformação"). Em muitos casos, esses "pseudo-fatos" são criados com intenções políticas e têm audiências específicas, com a intenção de induzir a certos resultados (por exemplo, influenciando o comportamento de voto). Esse sistema tem sido chamado de indústria de "fake news" – um termo amplamente usado por políticos em tempos recentes. É importante notar que informação falsa também pode ser disseminada de forma não intencional (o que é conhecido como "perda de informação").

O aumento da desinformação e da "perda de informação" tem sido facilitado pelo crescimento da tecnologia. A tecnologia – particularmente o aumento do número de aplicativos e de redes sociais – tem reduzido o custo de disseminação de informações para amplas audiências. Isso tem feito a indústria da publicidade mais competitiva para criar uma nova dinâmica social em que as pessoas frequentemente têm acesso a informações e ao conhecimento. Enquanto o conhecimento é difícil de construir e de mantê-lo constantemente atualizado, a informação se tornou mais fácil de ter, e debates públicos são cada vez mais baseados em falsa – e frequentemente deliberadamente falsas – informações. De fato, estudo recente de acadêmicos do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) descobriu que notícias falsas se disseminam muito mais rapidamente do que notícias verdadeiras – e esse efeito é particularmente visível com falsas notícias políticas (em comparação com notícias falsas sobre tópicos como o terrorismo, desastres naturais, ciência, lendas urbanas ou informação financeira).

De acordo com o Relatório de Notícias Digitais do Instituto Reuters, cidadãos da América Latina e do Caribe enfrentam elevada exposição a notícias falsas e são muito preocupados com o que são notícias verdadeiras e o que são notícias falsas na internet. Em cada um dos quatro países da região analisados no estudo (Brasil, Chile, México e Argentina), mais de 35% dos respondentes afirmaram que eles estavam expostos, na última semana, a notícias inventadas – alcançando o máximo de 43% no México. Além disso, mais de 60% dos entrevistados declararam que estão bem e/ou muito preocupados com o que é real e o que é falso na internet quando o assunto são notícias – alcançando a elevada porcentagem de 85% no Brasil. Esse alto nível de preocupação é consistente com experiências recentes com "desinformação" política na região – por exemplo, o uso de robôs automatizados para influenciar a opinião pública no Brasil, Argentina e Venezuela. Esse problema vem junto com a preocupação por potenciais consequências como o agravamento da polarização política ou a erosão da confiança na mídia. De fato, nos últimos anos, a disseminação de informação falsa por partidos políticos e a polarização política cresceram na América Latina e no Caribe. Esse é um desafio não somente da região, mas também de muitas regiões em todo o mundo. A preocupação global se reflete no tema deste ano escolhido para o "Dia Mundial da Liberdade de Impresa" – que focou no jornalismo e nas eleições em tempos de "desinformação".

Muitos dos países da América Latina e do Caribe passarão por eleições presidenciais neste ano: Argentina, Bolívia, Guatemala e Uruguai. Há uma preocupação na região sobre como campanhas desinformativas, acompanhadas de mensagens políticas direcionadas e sofisticados anúncios online por meio de redes sociais e plataformas online, podem afetar o resultado das eleições. Há muito o que podemos fazer nessa área para proteger a cadeia de valor da informação e a qualidade das eleições – como acordos de "campanhas limpas" entre partidos políticos, a criação de serviços independentes de verificação de notícias, mais fiscalização das empresas de mídias sociais e a promoção da "alfabetização" da informação entre os cidadãos. Na América Latina e no Caribe, essas iniciativas ainda estão no início, mas estão crescendo. É importante reconhecer, entretanto, que combater as campanhas de desinformação exigirá ações múltiplas e coordenadas com diferentes públicos, como tribunais eleitorais, mídia, sociedade civil, academia e empresas de tecnologia (como Facebook, Google, WhatsApp e Twitter). Sem uma forte coalização entre esses atores, será difícil reparar com sucesso a cadeia de valor da informação e alcançar a prestação de contas.