Aproximadamente 250 radialistas de todas as regiões do Brasil participaram ao longo dos últimos quatro meses de oficinas online sobre o tema da primeira infância e o papel da imprensa na defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
As oficinas foram realizadas pela ONU Brasil, por meio do PNUD e da ONU Mulheres, no âmbito de projeto apoiado com recursos do Fundo Conjunto para os ODS (Joint SDG Fund) das Nações Unidas.
Conduzidos pela organização não governamental ANDI – Comunicação e Direitos, os cursos “Sintonizados na Primeira Infância” abordaram as evidências científicas que justificam a necessidade de priorizar crianças de até 6 anos nas políticas públicas. Outros temas tratados foram as consequências da pandemia de COVID-19 e a cobertura da imprensa sobre crianças no Brasil.
“Um jornalismo socialmente responsável é capaz de contribuir para a proteção dos direitos humanos, não apenas denunciando violações de tais direitos, mas fortalecendo o debate público em torno das formas de garanti-los e promovê-los”, afirmou a coordenadora de comunicação da ANDI, Luciana Abade, na abertura das oficinas.
A primeira infância corresponde ao período de 0 a 6 anos de vida no qual cérebro e todo o sistema nervoso central se formam. A neurociência afirma que existe uma relação direta entre as primeiras experiências e o desenvolvimento cerebral.
"A gente compara a 'construção' do ser humano à de uma casa. Na construção da casa, há etapas, no desenvolvimento humano, também", disse a secretária nacional de Atenção à Primeira Infância do Ministério da Cidadania, Luciana Siqueira.
"Na casa, há a construção da estrutura, da fundação, e consideramos a primeira infância justamente essa etapa”, afirmou Siqueira durante a oficina para radialistas da região Norte, realizada em 25 de fevereiro.
Em sua apresentação, a secretária enfatizou a importância do Programa Criança Feliz, iniciativa do governo federal apoiada pelas Nações Unidas, que visa impulsionar o desenvolvimento de crianças em situação de vulnerabilidade por meio de visitas domiciliares. Na pandemia, tais visitas têm ocorrido principalmente de forma remota.
A advogada Ana Cláudia Cifali, da organização de impacto socioambiental Alana, abordou os recentes avanços legislativos no tema. Ela lembrou que o Artigo 227 da Constituição já prevê que é dever tanto da família como do Estado e da sociedade assegurar os direitos de crianças e adolescentes.
"Há uma responsabilidade compartilhada entre todos nós", disse. "O papel da mídia é essencial para desconstruir certos mitos com relação aos direitos da criança e do adolescente e levar a informação de que todos nós somos responsáveis pela garantia desses direitos", salientou.
Para Cifali, o Marco Legal da Primeira Infância, legislação aprovada em 2016, que criou uma série de programas, serviços e iniciativas voltados à promoção do desenvolvimento infantil, é mais um elemento “dessa trajetória como país na busca pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes”.
O especialista em educação infantil Vital Didonet alertou para os impactos da pandemia de COVID-19 na primeira infância, salientando que seus efeitos variam de acordo com as desigualdades econômicas e regionais brasileiras.
“As crianças se caracterizam por movimento e interação. (...) Da qualidade e intensidade do seu mover-se deriva a formação da inteligência sensorial e motora”, disse. “Durante a pandemia, essas duas características foram comprimidas. A maioria das crianças vive em casas minúsculas. Ser cerceado do movimento produz monotonia, aborrecimento, inibição mental.”
A necessidade de abordar o tema do desenvolvimento infantil de forma a visibilizar o trabalho das mulheres, que na maioria das vezes são responsáveis pelo cuidado de crianças e idosos no Brasil, foi o tema da palestra da consultora da ONU Mulheres Márcia Vasconcelos durante oficina para radialistas do Sudeste em 4 de fevereiro.
“Essa atribuição do cuidado às mulheres tem raízes sociais profundas e consequências para todas as pessoas. Dependendo de como pensamos o cuidado, ao qual todas as crianças têm direito, podemos aprofundar as desigualdades para as mulheres ou promover sua autonomia e empoderamento”, declarou.
“A naturalização do trabalho de cuidado como uma atribuição das mulheres tem impacto sobre a posição que elas ocupam na sociedade e em suas oportunidades educacionais e econômicas.”
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, em 2019, as mulheres brasileiras dedicavam 21,4 horas semanais para o trabalho doméstico não remunerado e o trabalho de cuidado, enquanto os homens dedicavam 11 horas. Entre 2016 e 2019, essa diferença entre as médias masculina e feminina aumentou de 9,9 horas para 10,4 horas semanais.
As oficinas visaram conscientizar radialistas sobre esses temas e sobre a importância de uma cobertura jornalística responsável da primeira infância, de forma a proteger e promover direitos. “Muitas vezes, é somente pelo rádio, pela televisão, que a população toma conhecimento de seus direitos fundamentais”, disse Luciana Abade, da ANDI.
Ao todo, participaram das oficinas 249 jornalistas, sendo 67 da região Sudeste, 50 da região Centro-Oeste, 38 da região Norte, 57 da região Nordeste e 37 da região Sul.
Sobre o Fundo Conjunto para os ODS
O Fundo Conjunto para os ODS (Joint SDG Fund) é um programa das Nações Unidas que, no Brasil, busca fortalecer os serviços públicos direcionados à primeira infância por meio do apoio ao Programa Criança Feliz (PCF). Tem como meta incentivar os países a acelerar o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de maneira integrada, com o apoio do Sistema ONU.
No Brasil, o Fundo Conjunto para os ODS visa aumentar a participação e retenção dos municípios elegíveis ao Programa Criança Feliz, ampliando o número de beneficiárias e beneficiários e apoiando as capacidades de seus profissionais e a qualidade das intervenções. Também tem como meta apoiar o Ministério da Cidadania no âmbito do PCF a fortalecer e melhorar as intervenções e ações voltadas às crianças e seus cuidadores.