Organizações lembram importância do diagnóstico precoce das hepatites virais

25 de November de 2021

Grupo Vale a Vida realiza testes de hepatites virais em fábrica de Pelotas (RS). Crédito da foto: Vale a Vida

Sônia Malísia Cabral é psicóloga e coordenadora do grupo Vale a Vida, instituição que atua há 23 anos na promoção e proteção dos direitos humanos, desenvolvendo ações de prevenção e assistência às pessoas que vivem com HIV/AIDS em Pelotas (RS).

Ronildo de Oliveira é coordenador de projetos da Associação Caririense de Luta Contra AIDS, cujo objetivo é realizar ações de prevenção, dando apoio e promovendo os direitos e a assistência às pessoas vivendo com HIV/AIDS em Juazeiro do Norte (CE).

Ambos representam organizações selecionadas pelo PNUD para desenvolver projetos que contribuam com o enfrentamento das hepatites virais no Brasil, realizando ações de base comunitária para prevenção, rastreio e diagnósticos das populações prioritárias, encaminhando-as aos serviços de saúde.

Lançado em junho, o edital do projeto selecionou Organizações da Sociedade Civil (OSC) com iniciativas focadas em populações e contextos nos quais os serviços de saúde não estão acessíveis. Algumas das metas incluem testes mensais para hepatite C e B e atividades de base comunitária ao longo de 2021 e 2022.

As organizações selecionadas apresentaram iniciativas inovadoras, considerando o cenário epidemiológico e sanitário da pandemia de COVID-19, com estratégias de sensibilização para enfrentamento das hepatites virais no país.

“Enfatizamos a relevância do diagnóstico precoce, uma vez que a hepatite mata mais que a AIDS e, por ser doença silenciosa, as pessoas não estão tão alertas. Fazemos um trabalho de conscientização sobre a importância da testagem e da vacinação”, afirma Cabral, do grupo Vale a Vida.

No projeto com o PNUD, a Vale a Vida tem realizado 100 testes de hepatite C, 75 testes de hepatite D e dez ações comunitárias mensais entre as populações prioritárias do município de Pelotas. A organização também prevê capacitar 300 agentes de saúde e agentes comunitários com um curso de sensibilização sobre hepatites virais.

No caso da hepatite C, as populações-chave incluem pessoas com mais de 40 anos, pessoas em situação de rua, pessoas que usam álcool e outras drogas e profissionais do sexo. No caso da hepatite B, também são prioritárias pessoas com idade igual ou superior a 20 anos que não tenham completado o ciclo de vacinação.

Para Cabral, é importante que a população tenha conhecimento de sua sorologia, de forma a iniciar o tratamento mais cedo. Ela enfatiza a necessidade de acompanhar pessoas com resultado positivo. “Realizamos uma busca ativa para a testagem e ligamos para verificar se o tratamento está sendo feito. Não adianta só testar”, explica. Atualmente, a OSC realiza ações em casas de massagem e indústrias de Pelotas.

Desde 2011, a Associação Caririense de Luta Contra AIDS promove iniciativas de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis, HIV e hepatites virais na região metropolitana do Cariri, sul do Ceará. Com o projeto do PNUD, pretende agora fortalecer a testagem de hepatites virais entre as populações-chave: gays, homens que fazem sexo com homens (HSH), travestis e transexuais, pessoas em situação de rua e pessoas acima de 40 anos de Juazeiro do Norte.

“Já iniciamos as ações de base comunitária. São duas atividades por semana que ocorrem em espaços públicos como praças, feiras livres e mercados. Entregamos material educativo, panfletos e preservativos, mas também fazemos a testagem rápida, reforçamos a importância da imunização para hepatite B”, declara Oliveira.

A Associação Caririense de Luta Contra AIDS é formada por uma equipe de educadores e enfermeiros que, mensalmente, realizam 100 testes de hepatite B e C, em parceria com o Programa Municipal de IST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria de Saúde de Juazeiro do Norte, responsável pelos serviços de referência no tratamento.

Histórico

A convocação fez parte de um projeto mais amplo do PNUD com o Ministério da Saúde criado em 2015 para promover o acesso aos serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), HIV/AIDS e hepatites virais para as populações-chave e demais populações prioritárias.

As hepatites virais são causadas por agentes hepatotrópicos – quando o fígado é o órgão alvo da replicação viral – e podem evoluir de forma aguda ou crônica, sintomática ou assintomática. São doenças crônicas e silenciosas, fato que dificulta o diagnóstico e favorece o avanço do estágio da lesão hepática.

Estima-se que os vírus da hepatite B e C sejam responsáveis por aproximadamente 57% dos casos de cirrose hepática e 78% dos casos de câncer primários do fígado no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2010.

No caso da hepatite C, a transmissão parenteral, que ocorre pelo contato com sangue ou objetos contaminados, é a via mais comum de disseminação do vírus. A transmissão pelas vias sexual e vertical (perinatal e infrauterina) também ocorre, ainda que em menor proporção.

Em relação à hepatite B, trata-se de uma doença de transmissão parenteral, sexual e vertical, sendo a transmissão perinatal umas das vias mais significativas de infecção e, também, a principal forma de transmissão para as crianças recém-nascidas.

A infecção por hepatites virais tem forte ligação com as vulnerabilidades das populações. Além dos grupos prioritários já citados, há taxas mais elevadas de prevalência em populações quilombolas, indígenas, ribeirinhas, dentre outras que habitualmente residem em áreas silvestres ou rurais.

A OMS considera ser necessário ampliar a testagem para as hepatites B e C para todas as pessoas pertencentes ao público prioritário, de forma a reduzir as novas infecções em 90% e as mortes em 65% até 2030, bem como ampliar a cobertura vacinal de hepatite B ao nascer e na população acima de 20 anos.

“Para que se possa ampliar o diagnóstico e tratamento das hepatites virais, é imprescindível o desenvolvimento de ações de comunicação e de educação em saúde, fomentando a atuação das organizações da sociedade civil, as ações de prevenção e também de identificação das pessoas que desconhecem a infecção por hepatites virais”, diz a analista de projeto do PNUD Luciana Brant.

“As organizações da sociedade civil e as associações de base comunitária se diferenciam no potencial de propagar informações, opções de prevenção, realizar busca ativa de portadores, de diagnóstico precoce, de fomento e incentivo para acesso aos serviços de saúde justamente pelo conhecimento que têm do território e, principalmente, por saberem se comunicar com seus pares.”

O diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Gerson Pereira, lembra que a maioria das pessoas com hepatites B ou C no Brasil desconhecem ser portadoras da infecção. A estimativa é de que mais de 1 milhão de pessoas tenha hepatite B no país. Menos de 10% está diagnosticada e em acompanhamento médico.

“Os testes rápidos são grandes facilitadores para o rastreio da população para as hepatites. São testes simples, de fácil execução e que podem ser feitos longe de uma estrutura laboratorial”, afirma.

“Assim, essa parceria com as organizações da sociedade civil é de extrema relevância para contribuir para que o teste chegue a populações que têm mais dificuldades de acessar ou ser acessadas pelo Sistema Único de Saúde, mas que são mais vulneráveis às infecções pelos vírus B e C.”